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Exportadores guatemaltecos que enviam suas mercadorias ao México, por via terrestre, são obrigados a descarregá-las na fronteira da Guatemala e recarregá-las em caminhões mexicanos, um obstáculo regulatório que contribui para a deterioração dos alimentos e desestimula o comércio. Na África, caminhoneiros demoram um dia inteiro para completar a documentação necessária para atravessar do Quênia para Uganda. O atraso causa perdas financeiras e é especialmente problemático com produtos agrícolas, já que pode prejudicar os alimentos e deixá-los impróprios para venda. É um desafio enfrentado também no Brasil. Caminhões que carregam culturas como a soja rotineiramente ficam presos em estradas mal pavimentadas e, em seguida, devido à falta de capacidade nos portos, desperdiçam dias em longas filas apenas para carregar os grãos em navios.
Em um mundo no qual 12,5% da população sofre de desnutrição crônica, o fato de que 30% dos alimentos produzidos para consumo humano é perdido ou desperdiçado é difícil de compreender. Mundialmente, até 1,3 bilhão de toneladas de alimentos é perdida ou desperdiçada a cada ano. Uma parcela significativa dessa perda pode ser atribuída a barreiras comerciais desnecessárias.
No último 31 de julho, a Organização Mundial do Comércio (OMC) não ratificou o acordo de facilitação de comércio de Bali, que criaria a base para procedimentos aduaneiros mais rápidos e mais eficientes para incentivar mudanças dramáticas, não só na redução da fome no mundo, mas também na promoção da sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico. O documento incentivaria a cooperação para a facilitação do comércio e de conformidade aduaneira, que prevê assistência técnica para ajudar os países a desenvolver as capacidades eletrônicas para agilizar o fluxo de mercadorias. Mas, mesmo na ausência dele, os governos podem seguir alguns dos passos recomendados e enfrentar as barreiras que prejudicam a cadeia de abastecimento e as economias locais.
Pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial, pelo Banco Mundial e pela Bain & Company descobriu que reduzir algumas barreiras da cadeia de abastecimento, atingindo metade das melhores práticas mundiais, poderia gerar um impacto de quase 5% do PIB, ou seis vezes o benefício de remover todas as tarifas de importação remanescentes. Os benefícios para os países emergentes, em particular na África e no Sudeste da Ásia, seriam proporcionalmente muito maiores.
O setor público está mais bem posicionado para reduzir essas barreiras, geralmente em parceria com empresas privadas e com apoio de instituições internacionais. O governo do Quênia melhorou a estrada Nairobi-Mombasa e expandiu a capacidade e o poder do porto de Mombasa, com alta demanda de investimento do setor privado por parte dos exportadores e transportadores. Investimentos em contêineres refrigerados e caminhões cobertos, juntamente com suporte para agricultura familiar para a aquisição de certificação para exportação, ajudaram a reduzir a perda de alimentos e permitiram que o Quênia alcançasse o ponto de inflexão em que se tornou rentável para as empresas do país para atender a novos mercados europeus. Além disso, com a remoção de controles de preços de fertilizantes e subsídios, os preços caíram, o que levou a aumento de 14% nas taxas de adoção entre os pequenos agricultores.
Agora o Quênia tem planos de implementar um sistema aduaneiro automatizado, permitindo que transportadores marítimos, aéreos e rodoviários submetam todos os seus documentos oficiais por meio de um portal eletrônico. Isso permitirá que os carregadores operem de forma mais eficiente e economizem dinheiro. O sistema vai melhorar a conformidade e aumentar a receita do governo. E a transparência criada por ele vai reduzir a corrupção que assolava o comércio internacional.
A Coreia do Sul é um bom exemplo de padrão de fronteiras inteligentes. Quando carregadores liberam as mercadorias de um armazém, as informações necessárias entram em um sistema eletrônico para que o Serviço de Alfândega não precise esperar até que a remessa chegue a um porto ou terminal. O país também introduziu um novo sistema de gestão de risco automatizado, eliminando grande parte da necessidade da inspeção manual.
O Brasil está iniciando o seu projeto para modernização e maior automatização dos processos de fronteira, buscando a redução dos tempos e custos de importação e exportação e criando um ambiente mais competitivo para as empresas. Hoje, os sistemas de exportação e importação não incorporam todos os processos, exigindo gastos desnecessários do governo e do setor privado. Nos últimos 20 anos, as operações de comércio exterior cresceram significativamente e os sistemas de controle não avançaram na mesma velocidade. Há a necessidade de uma revisão ampla de processos com a priorização daqueles com maior potencial de ganho para o país.
Políticos devem utilizar as melhores práticas de países como a Coreia do Sul. Ao dedicarem-se a eliminar as barreiras da cadeia de fornecimento, países pioneiros colocam em movimento um ciclo virtuoso, aumentando a produtividade global e enfrentando o enorme desafio de alimentar os subnutridos.
Fernando Martins é sócio da Bain & Company.