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Sem uma política de descarte adequada, consumidores não sabem o que fazer com eletrônicos quebrados ou substituídos
Mais de um ano após a aprovação da lei que institui a política nacional de resíduos sólidos, os brasileiros continuam sem um plano oficial para garantir o descarte adequado de produtos como geladeiras, televisões, celulares, tablets e computadores. Apesar da regulamentação existir, na prática os consumidores não têm para onde enviar equipamentos usados que param de funcionar ou que são substituídos por versões mais modernas.
Como o descarte inapropriado da sucata pode causar graves prejuízos ao meio ambiente, devido à presença de materiais altamente poluidores, como metais pesados, ficou comum encontrar gavetas e armários abarrotados de eletrônicos obsoletos e inúteis nas casas da classe média brasileira. Isso quando, seja por descaso ou falta de informação, não são despejados no lixo comum ou em terrenos abandonados, gerando sérios problemas de contaminação do solo e da água.
Dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) apontam que o Brasil joga fora 96,8 mil toneladas de computadores - 0,5kg por pessoa-, e 2,2 mil toneladas de celulares por ano. A fim da acabar com o descarte irregular, o governo tenta, desde agosto de 2010, quando passou a valer a lei dos resíduos sólidos, implementar a responsabilidade compartilhada entre fabricantes, lojistas e consumidores. Até agora, porém, nada saiu do papel. "Não é simples o processo", argumenta Mirtes Boralli, técnica da gerência de resíduos perigosos do Ministério do Meio Ambiente. Pela lei, a reversa pode ser estabelecida por acordo setorial. Isso significa que produtores, importadores, distribuidores e comerciantes precisam encontrar uma solução conjunta sobre o que fazer com o lixo eletroeletrônico. Sem nenhuma definição de prazo para que o acordo seja concluído, as discussões se arrastam há 15 meses e continuam sem quaisquer perspectivas de avanço. 'A verdade é que muitas empresas se recusam a colaborar. Elas temem que a responsabilidade compartilhada as obriguem a bancar custos adicionais, desde campanhas de conscientização dos consumidores a transporte, estoque e reciclagem dos aparelhos", alerta um participante das negociações. No entender de Ernersto Watanabe, diretor da Descarte Certo, empresa especializada na coleta e reciclagem de eletrônicos, independentemente das discussões dos termos regulatórios, a mola mestra para combater a poluição causada por esses aparelhos é orientar corretamente os envolvidos.
Watanabe explica que, por enquanto, salvo raras exceções, as empresas do ramo não têm uma solução financeira nem ambiental, capaz de viabilizar a reciclagem dos equipamentos, devido a distância dos centros de reaproveitamento. Essas usinas estão concentradas no eixo RioSão Paulo. "Em geral, os brasileiros são resistentes a pagar pelo recolhimento adequado do lixo eletrônico, mas esquecem que isso tem um custo", afirma. Em média, ao menos 30% das peças dos eletrônicos podem ser empregadas na fabricação de produtos novos. Entre os celulares, esse índice sobe para até 80% dos componentes.
Quando despejados sem o tratamento adequado, entretanto, os metais pesados dos componentes dos aparelhos se espalham para o meio ambiente. O simples toque ou a inalação do chumbo, material presente em grande quantidade nos televisores, por exemplo, pode causar alucinações, tremores musculares e insônia. Ao se dar conta do perigo a que estavam expostos sua família e a comunidade onde vive, Wallace Moura decidiu que era hora de fazer a sua parte. O comerciante, que trabalha ao lado da rodoviária do Gama, presta serviços de reparos em telefones e criou, por conta própria, o projeto Se liga, para recolher celulares velhos.
Em três meses, o projeto recebeu 350 telefones, 1,2 mil carregadores e 1,3 mil baterias em postos de coleta espalhados pelo Gama. Wallace explica que o próximo passo é fazer uma triagem desse material. O que ele conseguir consertar será encaminhado para doação. O que sobrar, enviará para uma universidade local, para ser triturado e usado em pesquisas acadêmicas ou por artesãos.
Setor é imune à crise
A crescente produção de lixo eletrônico é um caminho sem volta. Depois de se maravilharem com as facilidades proporcionadas pela tecnologia, as pessoas demandam produtos cada vez mais potentes e sofisticados em uma intensidade tamanha que já tem impacto na distribuição das riquezas nacionais. Hoje, o setor responde por cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. A estimativa da Sociedade Brasileira para Promoção da Exportação de Software (Softex) é lque essa participação chegará a 7% em 2020, mais que o dobro.
Só no campo dos celulares, o país conta com 227,4 milhões de linhas ativas: 1,16 para cada habitante, índice que cresce a cada mês, conforme números da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). "São quase 2 milhões de novos acessos por mês. Isso é um verdadeiro elemento de transformação, que gera toda uma cadeia denovos serviços", pondera Eduardo Levy, diretor executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil).
Além disso, o Brasil que já é o terceiro colocado mundial em vendas de PCs negocia a instalação de uma linha de produção para iPads, da Apple, e já autorizou fábricas de outras nove marcas de tablets em regime de incentivos fiscais. O setor de games também está de olho neste mercado: há um mês, a Microsoft anunciou a fabricação do console Xbox, em Manaus (AM), movimento que deve ser seguido pelas concorrentes e que trará consigo toda uma cadeia de fornecedores em vários segmentos da tecnologia. O esforço é comparável ao dos anos 1970, quando o objetivo era trazer as grandes montadoras de veículos para o país.
Na avaliação de Jean-Claude Ramirez, analista da Bain & Company, a crescente importância da tecnologia na economia é um fenômeno global que, em alguns casos, beira o paradoxo. Ele ocorre até nos países desenvolvidos que ainda amargam efeitos da crise econômica. Nesses lugares, as mesmas pessoas que lutam contra o corte de benefícios sociais, o desemprego e a estagnação, compram, cada vez mais, produtos como smartphones, tablets e computadores.
"É um setor que investe pesado em inovação e captura os desejos de consumo. As constantes alimentam um ciclo de substituição rápida e constante dos equipamentos", argumenta Ramirez. Já ErickVils, fundador da Websoftware, especializada em soluções para a internet, explica que, mesmo em situações de crise, a demanda por tecnologia continua aquecida também no campo corporativo. "Especialmente para otimizar procedimentos e reduzir custos", diz.
Na avaliação de Vils, a chegada de aparelhos como tablets e smartphones no mercado acelerou o processo de deslocamento da economia para o campo tecnológico. "Eles provocaram uma mudança no perfil de consumo e, em efeito dominó, os demais setores estão sendo obrigados a rever seus modelos de negócios", argumenta.
Nos países emergentes, como o Brasil, esse movimento é ainda mais intenso, puxado pela ascensão de milhões de trabalhadores à classe média que levou a um forte ritmo de crescimento do consumo interno. Por aqui, o mercado é ainda mais promissor graças à proximidade de eventos como a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e das Olimpíadas no Rio de Janeiro, em 2016.
"O consumo crescerá ainda mais nos próximos anos e o risco é que, por falta de conhecimento e de fiscalização, esses equipamentos acabem nas velhas caçambas de entulho", adverte Juliano Segatti, engenheiro ambiental da Trusher, empresa especializada em coleta de resíduos.
Doação pode ser alternativa
A estimativa das Nações Unidas é que cada brasileiro produz, em média, 2,6kg de lixo eletrônico por ano. Enquanto o país não define políticas públicas para a destinação desse material, empresas e consumidores têm de ser criativos na hora de se livrar daquele empoeirado monitor, do celular ou da televisão que insistem em ocupar espaço precioso em casa ou no escritório. Mas antes de decidir o que fazer com os cacaréus é preciso identificar a situação em que se encontra o equipamento. A primeira coisa é separar o que funciona do que está quebrado.
Um computador com até cinco anos de uso, por exemplo, pode ser de grande serventia para outras pessoas. Nesse caso, o melhor é doar o aparelho para parentes, empregados ou entidades de inclusão digital. Uma delas é o Comitê para a Democratização da Informática (CDI) que, com o trabalho de voluntários, poderá usar o computador doado na capacitação de comunidades carentes em diversos conteúdos envolvendo cidadania e empreendedorismo. Caso o aparelho esteja quebrado, deve-se avaliar se é viável consertá-lo. Se sim, eles também podem ser doados. Há instituições especializadas no recondicionamento dos dispositivos.
O Distrito Federal conta com uma dessas entidades: é o Centro de Recondicionamento de Computadores, no Gama. Lá, jovens de baixa renda aprendem a fazer a manutenção de aparelhos doados, em sua maioria, por órgãos do governo federal. Quando voltam a funcionar, os equipamentos são repassados para bibliotecas, escolas públicas, telecentros comunitários e organizações que se cadastram para poder usá-los, desde que sem fins lucrativos. Além disso, alguns fabricantes se anteciparam à política nacional de resíduos sólidos é já dispõem de pontos de coleta do lixo eletrônicos espalhados por supermercados e áreas de grande circulação. Você pode telefonar para a assistência do fabricante do seu produto e se informar se eles já fazem esse trabalho. (GHB)