Neste instante em que a Covid-19 chega com força ao Brasil, temos uma vantagem: a experiência e os dados dos países por onde a pandemia chegou antes. Já sabemos que a doença afeta a todos, não apenas os idosos. Porém, os resultados da infecção são muito diferentes. Nos países onde são feitos muitos testes clínicos (Alemanha, Coréia, Áustria e Noruega), os dados são inequívocos: os infectados são distribuídos de maneira bastante homogênea por faixa etária. No entanto, afirmar que os jovens estão em risco é capcioso. Abaixo de 50 anos, a taxa de mortalidade de pessoas sem patologias anteriores, por enquanto, é muito próxima de zero. Ela é inferior a 0,1% para ser mais exato.
Entre 50 e 60 anos, a mortalidade aumenta, mas é ainda bastante baixa para quem não tem outras patologias. Com base nos dados coletados em alguns países europeus, a estimativa para a taxa de mortalidade em um número mais realista de infectados é de um para cada 400 ou 600 pessoas.
Mesmo assim, os últimos dados mostram que a Itália—que já teve 7 mil mortes—deverá ter entre 20 mil e 50 mil mortes, dependendo da eficácia das medidas de contenção em curso e de liberalização. Reduzir os casos diários na Itália dos atuais 700 ou 800 por dia para 100 ou 200 ainda levará tempo, talvez até o meio ou o final de maio.
Não vamos nos enganar sobre o que ocorrerá no Brasil: uma simples regra de três implicaria em algo entre 70 mil e 175 mil mortes aqui. Difícil ainda dizer se o número será melhor ou pior: temos pontos favoráveis, como uma população na média mais jovem e que fumou menos e em alguns estados tomamos as medidas de contenção mais cedo. Por outro lado, as medidas ainda estão descoordenadas, como na Itália, temos hábitos similares e uma estrutura hospitalar pior.
Objetivo: minimizar mortes totais
A Covid-19 e seu combate irão trazer mortes diretas (causadas pelo vírus) e indiretas, induzidas pela depressão econômica em um país com grande parte de sua população pobre (exemplos: famílias que deverão se mudar para habitações sem saneamento básico devido ao desemprego; deterioração da qualidade de alimentação e o aumento da criminalidade). O objetivo dos nossos governantes deve ser reduzir o número de mortes totais (diretas e indiretas) através de medidas de quarentena eficazes, que atrasem a contaminação, mas também um processo e calendário de retirada das restrições diferenciado por perfil de cidade, região e idade das pessoas que evitem que a economia entre em colapso.
Foco das próximas 2 semanas e quando retirar restrições
Nesse contexto, a prioridade absoluta nessas próximas duas semanas deveria ser a de contenção, tentando “achatar” a curva dos contágios para que o sistema de saúde não entre em colapso. Ações prioritárias nesse momento obviamente incluem a defesa dos profissionais de saúde, a montagem de hospitais de campo e uso de telemedicina para evitar idas desnecessárias a hospitais. É necessário também garantir um bom isolamento do interior e do Centro-Oeste, uma vez que nosso agronegócio representa 23% do PIB.
Os 15 dias que vêm pela frente são fundamentais para definir quais medidas de contenção incrementar, manter ou relaxar, visando minimizar a soma das mortes diretas e indiretas. Essas medidas devem considerar diferenças importantes entre as cidades grandes (motores da economia nos setores secundário e terciário), as pequenas (propulsoras no setor primário), idade das pessoas e relativo isolamento de certas áreas do país. As análises para determinar essas escolhas devem utilizar as ferramentas avançadas de data analytics e devem cobrir velocidades e perfis de contaminação nas diferentes regiões e municípios e nos diferentes perfis demográficos e sociais da população.
Olhando a recuperação chinesa, acreditamos que a partir de final de abril a atividade econômica nas áreas mais afetadas já possa ser gradualmente reiniciada, possivelmente um pouco antes nas áreas menos afetadas. A partir desse modelo, podemos discutir opções para o Brasil que permitam implementar de forma inteligente medidas que minimizem o número de mortes totais. Entre elas a implantação de protocolos rígidos de higiene e distanciamento social, para permitir a reabertura gradual dos serviços a partir do fim de abril, e acelerar a utilização de tecnologias que permitam rápida contenção de novos focos para possibilitar uma maior liberação em maio.
Os dados e conclusões emergentes deverão ser analisados quase que diariamente para confirmar ou mudar essas datas, com base no que está acontecendo no exterior e no Brasil. Importante destacar que a grande maioria das medidas que permitiriam o controle rápido de novos focos necessitam que o número de novos casos esteja baixo para que elas sejam eficazes. Por isso, é crítico o sucesso das medidas de contenção iniciais. Se surgirem novos cenários que mudam o panorama atual (tratamen- to, vacina, mutações genéticas ou mortes), o programa deverá ser ajustado. Como em organizações complexas, um pequeno número de pessoas deve assumir a responsabilidade.
Minimizar mortes indiretas
Conter o número de mortes indiretas requer evitar o colapso econômico, o que irá nos obrigar a agir com determinação para minimizar os danos da “contaminação” nas empresas, focando inicialmente aquelas que são as “artérias” da economia e cuja falência levaria à quebra em cadeia dos demais órgãos. Na economia, os grandes empregadores e o sistema financeiro são essas artérias, onde não pode deixar de circular o sangue (dinheiro).
Será fundamental desenvolver nessas duas semanas um programa de dimensões sem precedentes de apoio a indivíduos e empresas: incisivo e inspirador. Um slogan único e abrangente, muito forte e motivador para o trabalho, negócios, sindicatos e bancos. Em 1o de setembro de 2020, todas as empresas e negócios brasileiros que estavam operando em 1o de fevereiro de 2020 devem permanecer “vivos”, prontos para a recuperação. Todos, sem exceção.
A ambição e visão inicial são a de um “back stop” estatal para as perdas de crédito de empresas, sujeitas a abertura rápida de crédito, não burocráticas para todas as companhias que precisam delas— sem estatizações. Ao mesmo tempo, as políticas públicas deveriam prever um suporte de renda para todos os trabalhadores e empresas. Medidas certamente extraordinárias e difíceis de implementar, mas que podem ser desenvolvidas com base no princípio “na busca do ótimo, não se faz o bom”. Outros países estão prestes a lançar medidas nessa linha.
Transparência e trégua interna
Na batalha contra a Covid-19, dar transparência sobre o custo humano de qualquer escolha e gerenciar expectativas de forma realista e madura é fundamental: não se deve tentar “tampar o sol com uma peneira”. Seria fundamental que interesses maiores se sobreponham sobre os menores. Uma trégua entre rivais políticos e suporte aos líderes do país seria um ato patriótico e necessário para poupar vidas e reduzir o aumento da miséria.